CIDADÃO KANE

Freqüentador assíduo dos primeiros lugares das listas que periodicamente apontam os dez melhores filmes de todos os tempos, Cidadão Kane acumulou nestes seus primeiros 55 anos de vida uma fortuna crítica imensurável. Isto sem falar no turbilhão de escândalos que se formou a sua volta quando das projeções para convidados especiais antes da estréia. Basta lembrar a iniciativa tomada por alguns, e felizmente abortada a tempo, de comprar os negativos e incinerá-los, e o boicote que acabou restringindo sensivelmente as possibilidades de distribuição do filme. Tudo isso para proteger a imagem de um velho e ja decadente tycoon da Imprensa americana, em quem, segundo consta, se teriam inspirado os roteiristas e o diretor para compor a figura do protagonista, Charles Foster Kane. Essa reação virulenta, se por um lado prejudicou a carreira do filme, por outro foi responsável pela camada de mal-entendidos que recobriu Cidadão Kane e condicionou sua recepção pelos espectadores . Como escreve Laura Mulvey neste ensaio, só recentemente novas pesquisas e estudos, ao iluminarem algumas áreas de debate até então escondidas pela polêmica, livraram o filme dos mitos e lendas incrustados em sua reputação para que ele enfim pudesse, por assim dizer, começar a falar por si mesmo. Assim, e exclusivamente para a "evidencia textual" que Laura Mulvey dirige sua certeira e penetrante abordagem crítica, sondando os enigmas de um filme que o escritor Jorge Luis Borges comparou a um "labirinto sem centro".